Pular para o conteúdo
Início » Blog » O que está acontecendo de errado com a nossa felicidade ?

O que está acontecendo de errado com a nossa felicidade ?

“Felicidade é uma coisa muito grande. O máximo que os deuses nos concedem são momentos de alegria que, segundo Guimarães Rosa, acontecem em ‘raros momentos de distração” Rubem Alves

Escrito por @autopoesys

Na segunda temporada de Euphoria, há uma cena impactante onde, Kat, uma jovem que luta com sua autoimagem, é confrontada por visões distorcidas de beleza e felicidade.

 Influenciadoras e gurus aparecem na tela, pressionando a moça com mensagens de positividade tóxica, dizendo que ela precisa derrubar os padrões de beleza e amar a si mesma. 

Porém, Kat se sente sobrecarregada e incapaz de atender a tantas expectativas sem noção, refletindo a luta de muitas pessoas contra a gordofobia e a busca por um corpo idealizado. 

Esta cena, dentre outras questões, como de autoestima, influência nociva da cultura fitness e da autoajuda na percepção de beleza, demonstra também como a felicidade tornou-se um problema nos dias atuais.

Neste sentido, um dos grandes paradoxos dos nossos tempos, bem falado por Augusto Cury em suas obras, está no fato de que nenhuma civilização até então alcançou condições tão favoráveis para a felicidade das pessoas como a nossa,

no entanto, a depressão tornou-se o mal do nosso século.

Talvez, por isso, que o sociólogo polonês Zygmum Bauman, comece a introdução do seu livro A arte da vida, com a enigmática pergunta, que ele pegou emprestada de Michael Rustin,: “o que há de errado com a felicidade”?

Mas, um olhar ligeiro pela história do pensamento, sobretudo do lado de cá do mundo, o ocidente, podemos ver que nem sempre a felicidade aparece como um problema.

Vamos fazer isso, então, antes de encarar o tapa na cara que Bauman nos dá com o seu questionamento.

Felicidade, o maior bem desejado pelo ser humano

A felicidade foi um dos grandes temas sobre o qual se debruçaram os filósofos e filósofas, desde a antiguidade, passando pela Idade Média, até a modernidade. 

Para esta turma todo ser humano tem como busca principal da vida, justamente, ela, a felicidade.

Deste modo, a título de exemplo, da antiguidade, podemos falar de Aristóteles, que via na felicidade – que ele chamava de eudamonia –  o maior bem desejado pelas pessoas e, assim, suas ações estariam direcionadas a este objetivo. 

Sendo que para alcançá-la, o ser humano deveria basear a sua vida na prática da virtude, ou seja, fazer bem (com excelência) aquilo que tiver que ser feito.

Dando um salto na história, encontramos São Tomás de Aquino, admirador das ideias do filósofo grego mencionado, falando quase a mesma coisa: a de que a felicidade é o bem maior do ser humano.

Só que no caso do santo católico, a ênfase maior da sua abordagem é teológica e não filosófica. Por tanto, para ele a felicidade, ou betitude, está no encontro pleno do ser humano com Deus. 

E com mais um salto histórico, twist carpado desta vez, chegamos na modernidade com Espinoza. Para quem a felicidade não dependia tanto das coisas futuras, mas sim do conhecimento e do amor presente. 

Assim,  a pessoa feliz não se deixa levar pelas esperanças ou pelos temores, mas vive em conformidade com a razão e com a ordem natural das coisas. 

A felicidade é, portanto, uma conquista ética, que depende do nosso esforço cotidiano em ir além das paixões que nos escravizam e nos impedem de sermos nós mesmos.

Mas, esta visão positiva da felicidade nos dia de hoje, conforme aponta alguns pensadores como Bauman, parece ter se tornado um problema. Por que será ?

Felicidade líquida

A felicidade que antes parecia um valor sólido em tempos de outrora, enquanto um horizonte a onde repousar os pés, agora, nesta era das incertezas que nos alberga, passou a ser uma busca líquida e fugaz.

É curioso isso, pois, conforme já aludido antes, praticamente quase em todos os aspectos da esfera do existir humano, na nossa civilização vigente,

  • político,
  • social,
  • econômico,
  • científico … para citar alguns,

alcançamos um nível de desenvolvimento que nos propicie uma vida mais feliz.

Todavia, as vendas de remédios para depressão só aumenta no mundo e no Brasil, sobretudo após a pandemia.

Dentre as várias possíveis causas para este fenômeno, para lá de complexo, uma delas está no fenômeno típico do sistema capitalista atual, bem apontado por seus críticos, de transofmar tudo em mercadoria, como no caso da felicidade.

Neste sentido, a nossa sociedade transformou a felicidade numa commodity, ou seja, num mero objeto de consumo, que a gente pode comprar em qualquer prateleira de supermercado.

Entretanto, esta estratégia neoliberal de fazer com que as pessoas busquem a felicidade através da compra de bens materiais, pode ter sido boa para os nossos bolsos, mas não para o coração.

Pois, como bem apontado por Bauman, ao analisar o que há de errado com a felicidade pós-moderna, vários estudos demonstram que não há uma correlação direta entre aumento do PIB das nações e da felicidade de suas poupações.

Ao contrário, onde a riqueza material prevalece com suas tiranias, a alma entristece.

Não é atoa que um tal Jesus de Nazaré (na mesma pegada de outros lideres espirituais da humanidade) já dizia, há mais de dois mil anos atrás, que a acumulaçao de riquezas gera a morte (Lc 12, 16-21) e a felicidade está em viver a doação do amor (Jo 13, 16-20).

Felicidade, desesperadamente

Por tanto, se para você, como para muita gente como eu,

  • contaminada pela busca desenfreada dos dias de hoje por felicidade,
  • com a garganta seca por uma insatisfação crônica,
  • bastante dependente de estímulos externos e
  • padecendo da perda do sentido da vida…

já se sentiu frustrado por não ser feliz o suficiente, deve ter percebido que ela não pode ser reduzida a uma mera mercadoria que a sociedade e a mídias atuais querem nos vender goela abaixo.

Nem tão pouco pode ser reduzida

  • a uma busca distante, num lugar utópico onde não conseguiremos chegar,
  • esperas delirantes, por um milagre que despenque do céu no nosso colo,
  • ou um estado permanente, numa necessidade tóxica de esconder nosso desespero num filtro de Instagram.

Mas, se, como nos alertou Rubem Alves, a felicidade para nós, sobretudo nos tempos moderno, parece coisa grande e pesada, não esquecemos que, como também ele falou, somos agraciados pelos deuses com momentos de alegria.

Onde há vida, a felicidade pode florir!

Não tanto como algo que se busca, mas que se vive, diria André Comte-Sponville, inspirado em diversos pensadores da tradição filosófica, como Epicuro, os estoicos, Spinoza e Buda – e eu colocaria nesta lista, Jesus de Nazaré.

E para viver a felicidade,  Comte-Sponville adverte, é preciso quere-la desesperadamente, ou seja, querer sem esperança, sem ilusão, sem resignação. Mas, com o coração enraizado no momento presente, entregue à vida como ela é.

Pois, a felicidade que podemos colher em meio as  aos raros momentos de distração do nosso cotidiano, é uma forma de sabedoria que nos ajuda a ser menos infelizes e a viver de verdade.

 A felicidade desesperadamente é, pois, uma possível forma de amor à vida, à realidade, à verdade e à liberdade.

Livre,

Leve,

voe!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verified by MonsterInsights