“Não há prova de amor maior do que doar a vida pelos seus amigos” – Jesus
Todos os anos os cristãos, em memória dos últimos passos do seu mestre Jesus de Nazaré, celebra a chamada semana santa, cujas raízes podemos encontrar vestígios nas tradições celebrativas do judaísmo.
Na prática, com seus rituais e liturgias, a celebração da semana santa evidencia os acontecimentos relativos à condenação, flagelo, morte e ressurreição de Jesus. E tudo isso no intervalo de dois domingos, o de ramos até o da páscoa.
Nesta semana, os fiéis são convidados, num processo de recolhimento interior das várias distrações que nos sequestram os sentidos, a contemplar a paixão de Jesus em prol da redenção da humanidade.
Mas o que de fato significa esta paixão de Jesus, pela humanidade?
É sobre isso que vamos conversar nestas linhas que se seguem…
Paixão e o seu mundo secreto de significados
Ao adentrarmos no mundo secreto da palavra paixão, com as chaves da curiosidade que nos lembra Drumond, podemos perceber uma variedade interessante de significados. Dentre os possíveis, temos:
1) No seu sentido etimológico – paixão do grego é pathos e do latim, passione, sendo que um ponto em comum de significado, presente entre ambas raízes etimológicas mencionadas, é o de que paixão significa dor e sofrimento.
2) No seu sentido neuropsicológico – paixão pode significar tanto uma perturbação mental que, interferindo nas nossas faculdades cognitivas ( pois sequestram o funcionamento das atividades do nosso neocórtex), nos causam desequilíbrios existenciais, quanto a ação passiva de sofrer uma interferência exterior.
3) No sentido filosófico e espiritual – para além dos significados acima apontados, paixão também pode significar aquilo que nos move a agir. Neste sentido, dizia o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel, nada de grande no mundo é feito sem paixão.
Portanto, se pudermos fazer um compilado destas variedades de significados levantados, relacionados ao campo semântico que a palavra paixão abarca, duas ideias se sobressaem: paixão é sofrimento/dor e entrega.
O que nos proporciona uma chave de leitura, não muito ortodoxa, talvez, para entendermos o sentido da paixão redentora de Jesus, evocada na semana santa.
Um Deus Apaixonado
Jesus, na semana santa, é celebrado na sua paixão, no sentido de dor e sofrimento, suportada em prol da remissão da humanidade, pelos seus pecados cometidos. Deste modo, ele aceita passivamente sua condenação, tortura e morte na cruz.
Esta tem sido uma linha interpretativa canônica, que acompanha a história do cristianismo desde o século IV, quando se começa a tradição celebrativa da semana santa, até os dias de hoje.
Mas, podemos dizer que a paixão de Jesus não se resume somente ao sofrimento suportado. Ela também traz, nas suas linhas e entrelinhas, o sentido da entrega.
Pois, pelo que podemos ver nas narrativas dos evangelhos sobre Jesus, enquanto memória daqueles e aquelas que conviveram com ele de perto, ele foi um ser humano apaixonado, vale dizer, totalmente entregue, à sua missão de renovação espiritual das mentes e corações das pessoas..
Deste modo, nos lembra Leonardo Boff, Jesus era impulsionado por duas grandes paixões:
- a paixão por Deus, que na sua experiência singular, chama de Abba, ou seja, papai;
- e a paixão em anunciar a boa notícia do Reino de Deus, como um tesouro a ser descoberto, mas que, conforme o evangelista Lucas, suas sementes já estão plantadas no coração das pessoas (Lc 7,21).
Por tanto, Jesus é um ser apaixonado! Sustentado e guiado pelo amor do seu Abba, fonte de sua vitalidade, encantamento e coragem.
Mas, é importante dizer, a paixão que impulsionava Jesus na sua missão não se trata de uma paixão romântica e etérea.
Pelo contrário, diz respeito a um amor encarnado e concretizado nos muitos gestos de acolhimento e cura dos mais vulneráveis e excluídos de sua época – sobretudo, os rejeitados pelo sistema religioso por suas “impurezas”.
E vai ser justamente pela vivência desta paixão concreta que Jesus vai sofrer sua paixão de cruz.
Pois, ao amar os excluídos e pecadores de seu tempo, resgatando sua dignidade e valor, ele desafiou os poderes políticos, econômicos e religiosos que se sustentavam justamente na opressão imposta aos mais vulneráveis.
Uma nova forma de amar
Jesus, com sua vida apaixonada, traz uma nova forma da gente enxergar e viver o amor.
Ao longo da história da filosofia, bem fala o professor Clóvis de Barros Filho, podíamos encontrar duas ideias fortes sobre o que é o amor, que de certa modo, esteve presente na evolução da nossa cultura ocidental.
Uma delas vem de Platão, que no século IV a.c. na sua obra O Banquete, através de seu discípulo, Sócrates, diz enfaticamente que o amor é éros ,e “amar é desejar” aquilo que nos falta.
Ou seja, nós amamos aquilo que desejamos, de modo que, na falta do objeto do nosso desejo, nos colocamos num processo de busca, para alcançá-lo.
Em suma, na perspectiva do amor platônico, amamos o que desejamos e desejamos o que não amamos.
Outra ideia sobre amor, largamente difundida na nossa cultura, vem de Aristóteles, para quem amor é philia. Neste caso, ao contrário da primeira definição, amar é se alegrar pelo que já temos.
Então, para os díscipulo de Platão, o amor é reconciliação com a realidade de vida que nos abraça.
Mas, diferentemente destes dois pensadores gregos, pondera Clóvis, Jesus inaugura uma nova forma de a gente perceber o amor. Não a partir do eu amante, que deseja e/ou se alegra com o que tem, mas a partir do outro.
É o amor ágape.
O amor que nos leva a viver uma vida dedicada ao outro, num movimento de entrega e generosidade, sem a espera de algum retorno.
E esta será a marca caracterísitca da paixão de Jesus: doar a vida em favor dos que mais necessitam.
Por viver esta paixão encarnada do amor ao outro, Jesus vai sofrer sua paixão, vale dizer, sofrimento, da cruz.
Fará do amor ágape seu único mandamento e grande legado aos seus discípulos e discípulas, ao dizer na última ceia em que partilhou com eles, que: “eis que vous doum um novo mandamento, amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. (Jo 13).
Livre,
Leve,
voe!