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“Viver é nascer a cada instante” Eric Fromm

Escrito por: @autopoesys

Nascer numa gruta.

Este evento cativante, narrado nas páginas do evangelho de Lucas (2,1-20), marca a história da humanidade, sobretudo aqui no ocidente. Por isso, todo ano é celebrado pelo cristianismo no dia 25 de dezembro.

Mas ele não é um evento único, também já era conhecido no mundo antigo oriental e depois greco-romano

A festa neste contexto antes de Cristo era para celebrar o nascimento do de Mitra, o Deus indo-europeu da luz celeste,

  • fiador dos juramentos,
  • guardião da verdade,
  • inimigo da mentira.

Amigo do sol, Mitra foi representado na arte da antiguidade como aquele que faz a iniciação do astro rei : estendendo um braço sobre sol que está ajoelhado, para que  ele aprenda o próprio curso e o siga com regularidade e sem transtornos.

Vemos nesta passagem a preocupação do mundo antigo com a garantia da regularidade dos ciclos da natureza. Para que o tempo fluísse na sua cadência natural, de acordo com as auroras e crepúsculos do ritmo do sol.

O culto a Mitra não teve templos, mas grutas naturais, no início, e feitas artificialmente no subsolo com o passar do tempo.

Portanto, nascer numa gruta é o símbolo de Mitra e também de Jesus. 

Ora, sabemos que todo mito não é uma palavra ao vento, mas, na sua alegoria, esconde profundos significados e aprendizados.

O que, então, podemos aprender com estas narrativas antigas, mas sempre novas, nos dias de hoje?

Por detrás dos símbolos

Não temos só fome de pão e água, mas também de sentidos e significados. Pois, somos, como diz o filósofo alemão Ernst Cassirer, além de animais racionais, seres simbólicos.

E os símbolos não nos deixam na serena amizade que frequentemente fazemos com a nossa rotina. 

Conforme, Umberto Galimberti, os símbolos nos convidam a fazer festas alegres para nos reconduzir à vida, quando já não estamos tão entusiasmados ou seduzidos pelo espetáculo da existência.

Os símbolos sacodem nossa indiferença e nos convidam a viver.

Deste modo, podemos entender o símbolo do nascimento de Mitra e Jesus. Pois, provavelmente, é o símbolo universal para todo ser vivo,cujo significado refere-se sobre a ideia de que para nascer é preciso vir à luz. 

Vir à  luz daquele lugar escuro que é o ventre materno, a caverna onde somos concebidos para um nascimento.

A festa de Mitra e Jesus, assim, traz para nós esta mensagem simbólica, em que cada um de nós devemos nos tornar 

  • caverna de nós mesmos, 
  • gruta de geração, 

noite escura que tem em vista o novo dia, em que a vida re-nasce de novo.

“É para renascer que nascemos”

(Pablo Neruda)

Nascer por si só não nos basta. 

Pois, o nascimento nunca é tão certo como a morte. Podemos de fato morrer sem nunca ter nascido de verdade, como se passássemos pela vida como dias sem alvorecer.

Portanto, a nossa compreensão do nascimento como sendo um ato único não é correta. Todo nascimento é, pois, um processo.

Erich Fromm, compreendeu bem esta dinâmica do existir ao dizer que viver é nascer a cada instante. Neste sentido,  conforme o filósofo e psicanalista alemão,a morte acontece para nós quando a gente deixa de nascer a cada dia. E o grande drama do ser humano é que a maior parte de nós morre antes mesmo de nascer.

Por isso, só nascer não é o suficiente. É necessário que todo nascimento invoque um renascimento para encontrar o seu sentido.

E isto é o que propõe o cristianismo todos os anos com a festa do natal: a renovação do nascimento de cada um de nós, afim de que nossa vida, em meio aos dramas e desafios cotidianos, tenha significado e propósito.

Um novo tempo de renascimento e significado

Com sua aliança com o sol, Mitra busca garantir a regularidade do ciclo da natureza. 

No ciclo cada época e momento não tem uma finalidade, mas simplesmente um fim que é sancionado com a morte. Nele não há nostalgia, nem espera, expectativas ou arrependimentos.

 A dança do tempo no mundo antigo, por tanto, é a pura e simples regularidade do ciclo. Não há futuro que não seja  retomada do passado que o presente renova numa ciranda de eterno retorno.

Nada há a esperar, apenas o que deve retornar. 

Assim, era a evolução do tempo antes de Cristo.

Jesus se afasta do ciclo  e da sua regularidade para anunciar um novo tempo: novos céus e novas terras. 

Agora o tempo é percebido na dinâmica do primado da finalidade sobre o fim, irradiando na história a figura do sentido.

Deste modo, o cristianismo se separa das mitologias antigas que leem o tempo a partir de um paraíso perdido à espera de um possível retorno.

A história tem um estremecimento e se rasga em antes e depois de Cristo.

O tempo depois de Cristo, logo, abre espaço para as utopias e revoluções, por escavar no coração da história, e de cada ser humano, os motivos da esperança de um futuro possível de sentido e salvação.

O ocidente foi seduzido por este modelo de perceber o tempo que o cristianismo celebra em cada natal. Não no ritmo do  retorno, mas na atmosfera do renascimento e do significado.

Livre,

Leve,

Voe!

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