Escrito por: @autopoesys
Imagine um deserto árido, com solo rachado e vento quente soprando. Uma terra árida e inóspita, onde a vida parece impossível.
Mas, em meio à desolação, surge uma flor. Uma pequena flor, frágil, resiliente, que desafia as condições adversas daquele terreno e desabrocha em toda a sua beleza.
Assim como a flor no deserto, a quaresma pode ser para nós um tempo de transformação e crescimento em nossas vidas. Um período de 40 dias, marcado pela reflexão, introspecção e penitência, que nos convida a florescer em meio aos desafios e obstáculos da própria existência.
O deserto como lugar da tentação
Segundo os textos sagrados da bíblia cristã, o deserto é o lugar da tentação.
Assim, pelo menos, falam os evangelhos a respeito de Jesus, que no início da sua vida pública foi conduzido pelo Espírito para o deserto onde foi tentado pelo diabo.
O demônio começou o seu desafio atiçando os desejos mais naturais do ser humano. Jesus, depois de jejuar 40 dias, estava com fome. Então, lhe é sugerido como solução um pequeno milagre: transformar pedras em pães.
Mas como para Jesus Deus não é alguém que está à nossa disposição para satisfazer nossos desejos, sejam eles biológicos ou narcísicos, o tentador sente-se frustrado ao ser rebatido com a resposta de que nossa fome de vida não é saciada somente de pão, mas também do amor de Deus, transmitido em suas palavras.
Daí, parte para outra tentativa de testar Jesus. Foi com o mestre para um outro lugar, onde moram os desejos mais sutis da nossa alma: o da necessidade de reconhecimento e sucesso em que fazemos, pela espetacularização dos nossos feitos e exibição apoteótica.
Ao que Jesus responde, dando-lhe nova rasteira, que não devemos provocar a Deus para a realização dos nossos desejos.
Como último teste, o diabo lança mão do mais profundo desejo que habita em nós: o poder. Mas, Jesus, novamente, frustra o tentador ao lhe esclarecer que o significado do poder não está em possuir e manipular, mas servir a Deus, vivendo a cada dia a doação do amor.
Como bem diz Rubem Alves, comentando os textos bíblicos das tentações de Jesus, estas, de antes e de agora, só acontecem onde moram nossos desejos. E o papel do diabo é nos tentar para saber a qualidade do que somos feitos.
É necessário que haja o desejo para que sejamos tentados.
Não é à toa que ultimamente há toda uma engrenagem de neuromarketing, sobretudo através das mídias sociais, que tem a incrível capacidade de transformar nossas necessidades e desejos.
Quaresma: tempo de conversão e revolução espiritual
Acredito que ninguém que esteja lendo este post, ignore a relação que a palavra quaresma tem com o número 40. Seja por questões semânticas e etimológicas, já que em latim ela deriva de quadragesima, que significa quadragésimo dia.
Mas, sobretudo, pelo seu significado bíblico, que entrelaça vários momentos decisivos das narrativas das Sagradas Escrituras, com a nossa jornada de transformação interior.
Em geral, na Bíblia, o número 40 frequentemente marca momentos de purificação e preparação para novos começos.
Assim, o dilúvio durou 40 dias, Moisés peregrinou por 40 anos no deserto antes de guiar o povo à entrada na terra prometida. E, nos evengelhos, Jesus também jejuou por 40 dias no deserto antes de iniciar seu ministério.
Esse tempo quaresmal, de purificação e preparação para algo novo, é também conhecido como, tempo de conversão. Aliás, esta é a mensagem da comissão de frente do ministério de Jesus: convertei-vos e credes no evangelho.
Neste sentido, conversão, metanoia (do grego), é, como bem nos lembra Jean Yves Leloup, dar um passo a mais, um passo além das paixões, emoções e pensamentos que nos corroem a existência e agitam nosso íntimo.
Ou seja, diante daquilo que nos apequena e torna pequena nossa vida, Jesus nos propõe uma revolução espiritual. Nos convida a sair do sofrimento e irmos em direção às nossas profundas aspirações e anseios de vida.
Cultivando as sementes da transformação
A conversão quaresmal é uma preparação para a Páscoa, que na perspectiva cristã representa o renascimento, a vitória da vida sobre a morte.
Na prática, para que esta conversão aconteça na nossa vida, o ritual cristão (sobretudo, o católico) propõe, ao longo de sua tradição, o exercício de três virtudes: oração, jejum e caridade.
Através da oração, do jejum e da caridade, temos irrigamos a alma e permitimos que a graça divina opere em nossas vidas. A oração nos conecta com a fonte de toda força e sabedoria, o jejum nos ensina o domínio próprio e a compaixão, e a caridade nos aproxima do próximo e nos conecta com a essência do amor.
Por tanto, para eu e você, vivermos bem este tempo da quaresma, fica algumas recomendações:
- Aprofundar na oração: dedique tempo à oração pessoal, buscando conexão com Deus e com seu interior;
- Abraçar o jejum: escolha um jejum que vá além da comida, abrindo mão de hábitos que te impedem de crescer;
- Praticar a caridade: encontre maneiras de ajudar o próximo, seja através de ações voluntárias ou doações;
- Meditar a Palavra de Deus: reserve um tempo para praticar a leitura orante dos textos bíblicos.
Quaresma: tempo de florescimento
Nos convida à transformação, ao crescimento e à renovação da fé. Através do despojamento, da oração, do jejum, da caridade e da meditação da Palavra, podemos florescer em abundância, tornando-nos mais compassivos nas nossas relações.
Transformados pelos exercícios espirituais da Quaresma, haveremos de florescer em abundância, com a força e a beleza de uma flor que desabrocha em solo árido no deserto.
Livre,
Leve,
Voe!