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A espiritualidade revelada e o seu poder de transformação interior

Quando você trabalha e age espiritualmente, não há poder maior que você” (Vandana Shiva).

Escrito por: Luciano Marcio Militão

Em um mundo, como o nosso,  repleto de distrações constantes e buscas materiais, a busca por significado e espiritualidade pode parecer indiferente para alguns, ou assustadora para outros. 

Mas e se eu lhe dissesse que abraçar a espiritualidade não é apenas necessário, mas também acessível e essencial para o nosso bem-estar? 

Neste artigo, vamos nos aprofundar no mundo da espiritualidade, explorando o que ela realmente significa e por que merece nossa atenção. De práticas antigas a conceitos modernos, embarcaremos em uma jornada de autodescoberta, revelando o poder transformador da espiritualidade em nossas vidas. 

Quer você se identifique como religioso, espiritual ou simplesmente curioso, junte-se a nós nesta aventura pela complexa, oceânica e fascinante dimensão da espiritualidade. 

Vamos desvendar os mistérios da alma e descobrir o profundo impacto que esta força tão essencial à nossa existência, como a da gravidade, eletromagnetismo ou sexual, pode ter em nossa felicidade e realização geral.

Para tal, iremos percorrer o seguinte caminho:

1 – Entender o que é a espiritualidade a partir de uma visão holística, que envolve desde a nossa base biológica, aos nossos laços de interdependência e nosso agir cotidiano;

2 – Abordar a complexidade do ser humano na perspectiva de um novo olhar integral, que identifica em sua estrutura três dimensões fundamentais: exterioridade, interioridade e profundeza.

3 – Apontar quatro caminhos para o cultivo de uma espiritualidade que nos proporcione melhor saúde mental e equilíbrio emocional;

4 – Fazer, por fim,  uma provocação inconclusiva que evidencia a espiritualidade como uma força necessária para fazermos a transformação que desejamos na nossa vida e, consequentemente, pro mundo.

Pelo espírito, Somos todos Um 

Espiritualidade vem da palavra Espírito. 

Na tradição bíblica espírito é ruah, o sopro divino, a energia primordial com a qual tudo foi criado. Logo, é vida, dinamismo, propósito e interação entre todos os seres vivos. Princípio de unidade sagrada do ser humano, como uma coexistência dinâmica e interconectada de matéria, energia e espírito.

 Podemos intuir, assim, o espírito como sendo uma dimensão profunda e fundamental de cada um de nós. Realidade vivencial, tão essencial quanto a respiração, que atravessa nosso modo de existir e ser, desde a nossa base biológica.

Pesquisas recentes, do final do século XX, conduzidas pelos neuropsicólogos Michael Persinger e V.S Ramachandra, pelo neurologista Wolf Singer, pelo neurolinguista Terrence Deacon e por técnicos usando scanners modernos para fazer imagens cerebrais, detectaram o que eles chamaram de o ponto de Deus no cérebro. 

Num estado místico, conforme estes estudiosos, temos uma excitação detectável acima do normal nos lóbulos frontais cerebral. Esses lóbulos são ligados ao sistema límbico, o centro das emoções e valores. O que indica que a estimulação do ponto de Deus não está ligada a uma ideia ou pensamento, mas a fatores emocionais e experienciais, ou seja, a uma espiritualidade viva.

Deste então, fica claro para nós que espiritualidade não tem nada a ver com o entendimento dominante, o qual afirma que o ser humano é um composto dualístico de corpo e alma, matéria e espírito. 

A espiritualidade nos leva a nos perceber como um todo holístico e integrado, como uma teia de relações: conosco mesmos, com os outros, o universo e com a Fonte Criadora de tudo que há (presente desde as nossas medulas até nas estrelas mais distantes).

Modo de ser e viver: a  espiritualidade no nosso dia a dia 

Numa visão fragmentada, cultivar a espiritualidade significa valorizar um aspecto do ser humano, o espírito, seja pela meditação ou oração, para que se possa achar o “Eu” mais profundo, ou Deus. O que por vezes, implica num distanciamento do material ou da dimensão corporal. Sendo necessário que nos recolhamos em espaços onde possamos encontrar condições de silêncio, paz e tranquilidade para praticarmos a interiorização.

De certa forma, esse entendimento tem o seu valor. Pois, certamente o silêncio e a solidão têm uma relevância no cultivo do espírito. Algumas vezes também ajudam a parar nossas atividades cotidianas para que possamos imprimir novas perspectivas ao nosso agir.

Entretanto, essa visão fragmentada, que separa o corpo do espírito, nos leva ao entendimento da espiritualidade como uma tarefa entre outras mais que temos na vida. Por ser fundamentalmente reducionista, falha em explorar a riqueza da espiritualidade humana, quando esta deve ser entendida de forma holística.

A espiritualidade não deve ser apenas compreendida como uma maneira de viver certos momentos da vida, mas, como no dizer de Panikar, uma experiência integral da vida. Uma atitude fundamental a ser vivida a todo momento e em todas as circunstâncias. Seja na

  • Arrumação da casa,
  • Trabalhando,
  • Dirigindo um carro,
  • Numa mesa de bar, conversando com os amigos,
  • Experimentando um momento íntimo com nossos entes amados,

As pessoas que criam espaço para o profundo e para o espiritual se tornam centradas, serenas e cheias de paz. Elas irradiam vitalidade e entusiasmo, onde estão ou naquilo que fazem, porque têm Deus dentro de si. Esse Deus é amor, o qual, nas palavras de Dante, move os céus, as estrelas e nossos próprios corações.

Três dimensões fundamentais do ser humano que a espiritualidade nos permite perceber

Vector sign Leonardo da Vinci

Este modo de perceber a espiritualidade, como uma experiência holística da vida, supõe também enxergarmos a nós, seres humanos, como um todo complexo. Ou seja, não deve haver justaposição de partes constitutivas do nosso ser, pois tudo em nós está dinamicamente entrelaçado, compondo um sistema vivo, interconectado e harmônico. 

Pelo olhar espiritual, a gente se percebe, portanto, como uma sinfonia ou constelação de múltiplos fatores, dimensões e interconexões. 

Entretanto, há uma coerência única que sustenta esta complexidade do nosso ser, que podemos identificar em três dimensões fundamentais: a exterioridade, a interioridade e a profundeza.

A – A exterioridade: corporificação 

A exterioridade podemos entende-la como a nossa dimensão corporal.

     Somos, pelo nosso corpo, um todo imerso no tempo e no espaço. Um sistema vivo, que de modo resumido pode ser identificado como,

  • Um animal do filo vertebrado, da classe dos mamíferos, da ordem dos primatas, da família dos hominídeos, do gênero homo e espécie sapiens. Dotado de um corpo com mais de cem trilhões de células, continuamente renovadas por seu sistema genético, ao longo do curso de 3,8 milhões de anos de história evolutiva.
  • Um ser possuidor de um cérebro complexo consistindo de aproximadamente cem bilhões de neurônios, que nas suas partes constitutivas controla nossas ações instintivas, emoções e nossa capacidade de conceitualização e pensamento abstrato;
  • Um ser dotado de sentimentos, inteligência, amor, compaixão e êxtase

Nosso corpo como um todo, vive numa complexidade de relacionamentos interconectados que se interiorizam e exteriorizam:

  •   com o cosmo, 
  • a natureza, 
  • a sociedade, 
  • os outros seres, 

e com a realidade maior da nossa vida que inclui e sustenta todos eles: o ar que respiramos, o alimento que nos nutre, as roupas que usamos, e as energias que revitalizam nossos corpos.

B – A interioridade: a psique/mente humana

A interioridade é composta pelo nosso universo psíquico (da nossa mente), tão complexo quanto o mundo exterior. Uma vez sermos seres habitado por impulsos, desejos, paixões, poderosas imagens e arquétipos ancestrais.

Os desejos são possivelmente as estruturas mais básicas da nossa psique. Na sua dinâmica parece não ter limites. Por isso, como possuidores de desejos, simplesmente não desejamos isto ou aquilo, nós desejamos tudo e o Todo.

Do ponto de vista da espiritualidade, o objeto secreto e constante do nosso desejo é Ser na totalidade

A tentação, entretanto, é a gente identificar o Ser com uma de suas manifestações: beleza, bens, dinheiro, saúde, carreira, um ente amado, filhos e assim por diante. Quando isso ocorre, uma fixação com o objeto do desejo se forma. Somos sequestrados pela ilusão da identificação do Ser ilimitado com as coisas finitas.

Daí acontece uma sensação de frustração e de fracasso, porque a dinâmica espiritual do desejo é caracterizada por querer tudo e não apenas uma parte. Consequentemente, um sentimento de não realização explode em nós,  e, com isso, a sensação de vazio existencial.

Como seres humanos precisamos tomar cuidado para guiarmos nossos desejos pelo labirinto dos vários objetos em foco, sem, contudo, perder a referência à totalidade do Ser: o Infinito ou a Fonte da Realidade, que normalmente chamamos de Deus, onde encontramos descanso e sentido para as inquietações do nosso coração.

C – A profundeza: o espírito

Nós também possuímos uma profundeza

Temos a capacidade de ir além das meras aparências, do que vemos, escutamos, pensamos e amamos, para habitarmos o outro lado das coisas, seus reversos e profundezas. Onde elas, mais do que coisas, possuem uma dimensão adicional:  tornam-se símbolos ou metáforas para outra realidade, que as transcende e que elas relembram, apresentam e identificam.

Nós seres humanos percebemos valores e significados e não apenas eventos e ações. O que realmente conta não são as coisas que acontecem conosco, mas o que elas significam para nossas vidas e as experiências que elas nos dão. Tudo o que acontece tem um caráter simbólico, sacramental. 

Assim,

  • uma montanha é, para nós, mais que uma montanha, transmite o significado do majestoso;
  • o mar evoca a grandiosidade,
  • o céu estrelado reflete a imensidão,
  • uma fotografia recorda uma pessoa amada,
  • e os olhos profundos de uma criança revela o mistério da vida

Perceber a profundidade do mundo e de todas as coisas, bem como a nossa própria, constitui o que chamamos de espiritualidade. Esta não é apenas parte do nosso ser, mas expressão daquele momento de consciência pelo qual vivenciamos o significado e valor de todas as coisas. 

É também aquele estado de consciência pelo qual, conforme já falamos,  percebemos o todo e que somos parte integral dele. Pois, nos permite experimentar a não dualidade. A experiência de estarmos ligados e religados (a raiz da palavra religião) uns aos outros e todos à nossa Fonte Originária

Unidos pelo fio de energia, de vida e significado, tornando-nos um cosmo ao invés de caos, uma sinfonia composta pelo entrelaçamento de tons diversos. 

Uma planta não é algo que está somente à minha frente, ela é uma ressonância, um símbolo e um valor dentro de mim. Reconheço dentro de mim dimensões montanhosas, vegetais, animais, humanas, estelares e divinas. Tudo se torna permeado de veneração e pelo sagrado.

Nós, enquanto seres humanos, somos únicos porque temos a capacidade de, pela  vivência da espiritualidade, experimentar nossa profundeza. Nos conscientizando da Presença do Ser que sempre nos acompanha, a partir do qual organizamos nossa vida interior e que se torna fonte de inspiração e realização para os grandes sonhos, e dá significado à vida.

Estamos falando de uma energia primordial e originária que tem o mesmo direito de existir que outras energias: como a sexual, emocional ou intelectual, que são partes de nosso ser. Essa profundeza dentro de nós representa a nossa condição espiritual e é também chamada de espiritualidade.

Caminhos para o cultivo da espiritualidade em prol da nossa saúde mental e paz emocional

Para nutrirmos nossa dimensão espiritual, não temos que necessariamente professar um credo ou aderir a uma religião. Pois ela não é monopólio de ninguém e nenhuma instituição. Encontra-se presente no íntimo de todas as pessoas e em todos os estágios da nossa existência.

Por tanto, não é algo que devemos buscar num céu distante, mas, com bem nos fala Jesus, dentro de nós e a partir da radicalidade de nossa realidade vivencial.

Em termos práticos e pedagógicos, podemos falar de quatro caminhos possíveis pelos quais podemos experimentar esta energia libertadora, como fonte de amadurecimento para uma existência de mais realização, saúde mental, paz emocional e comprometimento com o bem-viver de toda forma de vida na sua biodiversidade.

  1. Autoconhecimento 

Todas as grandes tradições religiosas nos ensinam que o caminho para Deus começa com o conhecimento de nós mesmos. Toda fala sobre espiritualidade que se pretenda autêntica deve, deste modo, partir do chão do coração do ser humano, pulsante de paixões e desejos.

Por isso, Tereza de Ávila, grande expressão de santidade da tradição cristã católica, nos ensina que a melhor maneira de se chegar ao conhecimento de Deus é pelo autoconhecimento, ao dizer que: “não penseis que haveis de entrar no céu, sem primeiro entrar dentro de vós mesmos e considerar vossas misérias”

  1. Experiência do Amor

Como já vimos, espiritualidade não tem a ver com o movimento da razão, mas, como lembra Pascal, com um assentimento do coração. 

É uma experiência profunda de amor e liberdade. De amar e ser amado. Algo que nasce de dentro para fora, de baixo para cima. Nos incendeia, transfigura e fortalece.

 Na sua feição mais radical,  o amor é compaixão, ou seja, a misericórdia, que fundamenta a insustentável leveza do nosso ser.

Compaixão por nós mesmos: sendo mais gratos pelo que somos e temos, e deixando de nos culpar e condenar tanto pelos nossos erros.

Compaixão pelos outros (seres humanos ou outras formas de vida): sendo capazes de estar ao lado dos que sofrem ou são vítimas de algum preconceito, respeitando suas dores e angústias.

  1. Compromisso com o outro 

Este amor experimentado espiritualmente torna-se serviço ao outro, seja outra pessoa ou forma de vida (animal ou vegetal) que nos interpele. Aqui reside a autenticidade de nossa espiritualidade.

Pois, uma vivência espiritual que não nos faça sentir pertencentes a um todo maior e comprometidos com o bem comum, pode ser alienação e/ou fuga de nós mesmos e do mundo.

O cultivo da espiritualidade, ao contrário, nos faz reconhecer que somos todos um. Estamos, em meio à diversidade de formas e essências, interligados e tudo o que fazemos ressoa em nós, nos outros e no universo.

Por isso, nossas relações devem estar pautadas pelo cuidado, como uma forma de espiritualidade ativa, que nos faz honrar a existência da vida que viceja dentro e em torno nós.

     4) Meditação

Comum em todas as tradições religiosas e também presente fora delas, a meditação é a abertura espiritual do coração… onde podemos saborear o amor que nos criou, recria em cada aurora e sustenta e conduz em meio as venturas e desventuras do dia-a-dia.

É o momento de não fazer nada, baixarmos a guarda das nossas resistências e nos entregarmos… simplesmente  deixar Deus ser e agir em nós e através de nós. 

A prática da meditação é, pois, uma vivência da espiritualidade na sua essência, de forma simples, livre e entregue à Fonte Originária da vida.

Espiritualidade, uma subversão do olhar

Cultivar nossa dimensão espiritual, longe de ser (como muitos pensam) uma alienação ou fuga do mundo, do nosso corpo, sentidos e emoções, supõe nos entranharmos para dentro de nós mesmos e da realidade que nos cerca. 

Para sentir as vibrações de nosso corpo, as erupções dos nossos sentidos e emoções e nos percebermos como um nexo pertencente a uma imensa vida que, generosamente, reluz dentro e em torno a nós.

Como uma força/energia criativa, dinâmica e que nos interconecta numa teia de relações micro e macrocósmicas, a espiritualidade é também, conforme nos fala How Gadaner e James Willians, uma forma de inteligência do mundo. Um modo de perceber a realidade e a nós mesmos, a partir de e para além daquilo que é trivial e cotidiano. 

Uma subversão do olhar que nos faz enxergar (e nos conectar com)

  • O infinito que habita nossa finitude
  • O milagre diário da vida escondido nos detalhes de cada instante
  • A força oculta presente em nossos pequenos gestos de gentileza e cuidado
  • os significados submersos nas tramas absurdas que o teatro da existência nos desvela em cada ato

   A espiritualidade, portanto, ressalta Vandana Shiva, nos da força para fazermos a transformação necessária em direção a uma vida resignificada  e sustentável. Pois, quando trabalhamos e agimos espiritualmente, somos capazes de expandir nossas próprias possibilidades.

Livre,

            Leve,

                         Voe!

Para quem quiser aprofundar esta conversa, segue estas sugestões:

O Tao da Libertação – explorando a Ecologia da transformação

A mística do instante presente – o tempo e a promessa

Video: Espiritualidade: o que é? e como vive-la?

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