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Desvende o valor de ressignificar a vida

“Renova-te, renasça-te em ti mesmo”. (Cecília Meireles)

Escrito por: @autopoesys

Você já ouviu falar em Sísifo?

Ele é um dos personagens icônicos da mitologia grega.  

Sujeito esperto, passou a vida enganando os deuses. Porém, quando enfim não teve como escapar das garras de Tânatos (o deus da morte), acabou punido com um castigo terrível:

  • foi condenado, por toda a eternidade, a rolar uma grande pedra até o cume de uma montanha.Sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo,  a pedra rolava novamente abaixo até o ponto de partida.

Sísifo tornou-se assim o símbolo, dentre tantas coisas, daquelas pessoas que executam uma tarefa cansativa e tediosa, vida a fora. Vivendo uma vida no piloto automático, engessada por muitos hábitos do cotidiano e vazia de significado.

É certo que hoje, após uma considerável distância de tempo e espaço culturais entre os gregos, sabemos pela neurociência que o hábito e a rotina prestam um papel importante no cumprimento de nossas atividades. 

Através deles o nosso cérebro poupa energia. Evitando que uma mente consciente de tudo que nos acontece 24 horas por dia, deteriore todo o nosso sistema corporal com um desgaste energético.

Além do que, o hábito e a rotina, também conferem ritmo e harmonia para nossas tarefas cotidianas. Pela regularidade nas várias atividades da nossa existência, podemos habitar com confiança o tempo que nos cabe.

Porém, o que se caracteriza por ser bom, esconde também suas armadilhas.

 O problema acontece quando nos tornamos reféns da tirania do hábito e a rotina passa a substituir a nossa própria vida. Tornando-nos, assim, Sísifos modernos.

Pessoas para quem a vida é um fardo a suportar, pois tudo se torna óbvio e regulado, sem espaço para as surpresas do imponderável. 

Que vendo o mundo como algo finito, definido e conhecido, submetem-se mansamente ao do ciclo da vida de

  • Nascer
  • Crescer
  • Reproduzir
  • Conquistar metas
  • Pagar contas
  • Morrer,

como se fosse um imperativo. 

Ou cumprem, como uma liturgia sagrada, seu ritual diário de

  • Acordar 
  • Interagir através das mídias sociais (whatsapp, facebook, instagram, blog, etc)
  • Tomar café, almoçar, jantar
  • Trabalhar (para comprar o pão de cada dia) ou estudar ( para ser alguém na vida)
  • Interagir através das mídias sociais
  • Dormir

Passam a vida como mero cumpridores de tarefas. Assumindo, como diria o filósofo Humberto Gamliberti (link externo)t, sua identidade funcional na engrenagem do sistema. Funcionando bem como:

  • Esposas
  •  Maridos
  • Pais 
  •  Filhos
  • Trabalhadores/as 
  • Profissionais do mercado, etc…

Acontece que, quando nos deixamos sequestrar pela mesmice e conformidade a gente não vive, vegeta.

Arrastamo-nos pela vida, carregando sob os ombros o peso inútil de ser um sujeito normal, que faz tudo igual. Vivemos, conforme nos lembra Thoreau,  um secreto desespero, para chegar às portas da morte e descobrir que não sugamos a essência da vida.

Todavia, chega o dia em que somos atravessados por um momento, expressamente recordado pelo livro do Eclesiastes, em que “a vista não se sacia como o que vê, nem o ouvido se contenta com o que ouve” (Ecl 1,8).

A rotina e o hábito  não basta ao nosso coração.

Então, uma pergunta atropela nossa consciência:  existe vida além da normalidade da existência?

Existindo, o que nos torna capazes de sair do cotidiano e conferir a nossa vida um sentido maior?

O poder que nos faz irmos além de nós mesmos

O desafio de ressignificar a vida, rompendo com as amarras da mesmice de cada dia, e nos reinventarmos, implica numa travessia que nos acompanha até o fim.

Dentre os vários caminhos possíveis para essa nossa grande tarefa existencial, um é bastante decisivo: supõe a coragem e ousadia de acessarmos um poder que habita nosso ser, nos seus recônditos mais profundos…  que faz de nos faz irmos além de nós mesmos:

  • o poder de ressignificar tudo o que nos acontece.

Este poder, na sua essência, diz respeito à força espiritual e criativa que temos dentro de nós (Jo 3,1-12). Ressignificar a vida envolve, necessariamente, a dimensão da espiritualidade que nos constitui.

Pela nossa capacidade espiritual, que nos desperta para a consciência em ralação a tudo que nos acontece, abrimo-nos para o que está além do rotineiro e habitual. Somos, assim,  capazes de transcendência, ou seja, ir além, de nós mesmos e da realidade que nos abraça.

Na prática, quando um fato acontece em nossa vida, seja ele bom ou ruim, podemos pela nossa capacidade de ressignificar, escolher a respeito de como vamos lidar com ele.

Assumimos, deste modo, a responsabilidade pela forma de reagir aos acontecimentos da vida. O que vai influenciar a maneira como vamos viver dali para frente as nossas experiências cotidianas:

  • Diante de um desassossego, podemos sucumbir à tristeza ou nos reinventarmos a partir dele;
  • Diante de uma perda, podemos pensar em desistir ou escolher seguir em frente;
  • Diante de uma conquista, podemos nos paralisar ante a euforia dos aplausos, ou nos sentir estimulados a alçar novos horizontes;
  • Diante do fracasso, podemos nos sentir incapazes para fazer qualquer coisa, ou reconhecer que nos tornamos mais experientes;
  • Diante de uma gafe, podemos nos fechar no casulo da vergonha ou aprender a rir de nós mesmos.

Ou seja, se não podemos escolher o que viver, pela nossa capacidade espiritual de ressignificação da existência, podemos escolher como viver a vida que nos acontece, no aqui e agora de nosso dia-a-dia.

Tirar o afeto

Como o seu próprio sentido etimológico e a prática do poder de ressignificação sugerem, ressignificar é comumente entendido como a arte de dar um novo significado para algo ou para a própria vida.

 O que está correto! Pois, o “re, prefixo do verbo em questão, ” significa “de novo” ou “novamente”. 

Porém, se penetrarmos no mundo secreto desta palavra com a chave da nossa curiosidade aguçada,  veremos que a raiz de ressignificar esconde um outro significado maravilhoso: o de  retirar o afeto de alguma coisa.

Logo, quando ressignificamos uma experiência que sacudiu as nossas bases existenciais, o que acontece efetivamente é que retiramos o afeto, quer dizer, a energia emocional que ela teve sobre nós. 

Assim, ela não nos afeta mais, deixando-nos angustiados, nervosos, com raiva, culpa ou medo. E as nossas melhores energias de entusiasmo, gratidão, esperança e amor não são sugadas pela tormenta do que nos acontece.

Todavia, por ser uma palavra que possa parecer sofisticada demais, ou talvez não faça parte do nosso vocabulário usual, ressignificar tende a ser uma ideia fora do nosso alcance. Coisa de gente muito “foda”, tipo santo, guru ou alguma celebridade do Instagram ou influencer do youtube.

Mas será isso mesmo?

Uma percepção atenta e desnuda de preconceitos, nos revelará que a irradiação desta potência transformadora não foge à nossa realidade. Pois, mais do que uma capacidade inata ou dom especial a poucos escolhidos, ressignificar é uma habilidade que podemos aprender e desenvolver ao longo da vida.

A pratica de ressignificação

Como já estamos acostumamos andar por aí com a lamparina da consciência escassa de óleo, somos presas fácies às tocaias da rotina e do hábito. Por isso, para darmos um passo além de nós mesmos é necessário que nos exercitemos através de ações concretas e acessíveis no nosso dia-a-dia. 

Neste sentido, o despertar e amadurecimento da prática do poder de ressignificar o que nos acontece, segundo Leandro Karnal deve passar necessariamente pelo o cultivo da arte e da espiritualidade.

E, como acontece com toda prática artística e espiritual, ressignificar, para ter eficácia e efetividade, implica numa entrega cotidiana que envolve pelo menos três atitudes significativas de: agradecer, abençoar e amar.

  1. Agradecer

Agradecer é perceber a vida como pura graça.

Podemos não ter tudo o que queremos, mas reconhecemos que temos tudo o que é necessário para uma vida digna e feliz. Por isso, pelo exercício da gratidão, ressignificamos a vida aprendendo a olhar não tanto para o que nos falta, e sim para o que nos farta:

  • No ar que respiramos, 
  • alimento que nos sustenta, 
  • nos nossos laços afetivos que aquecem nosso coração, 
  • na saúde e inteligência que nos dá disposição para conquistarmos nossos sonhos… 
  • em cada nascer ou por do sol,
  •  no brilho das estrelas, 
  • num gesto de gentileza… 

e mesmo em meio aos desafios e encrencas que compõem o pacote da nossa existência, temos sempre um motivo para, como bem nos exorta o apóstolo Paulo, rendermos graças.

No entanto, para ressignificarmos a nossa vida sendo gratos pelo que nos acontece, faz se necessário que tenhamos um olhar despido de qualquer tipo de julgamento. O que requer de nós uma atitude fundamental de:

  • Aceitação – ou seja, não resistir, como nos fala Eckhart Tolle, ao fluxo da vida no aqui e agora de nossa existência. Abandonar a resistência interior àquilo que nos acontece, a partir da consciência de que muitas coisas simplesmente não podem ser mudadas.  E
  • Insatisfação – pois, aceitar não é submissão ou resignação passivas ante aos fatos que tecem nosso cotidiano. É perfeitamente compatível com tomar uma atitude ou nos esforçamos para mudar ou alcançar nossos objetivos. 

Logo, mais do que a uma condição de satisfação ao que somos e temos, aceitar nos provoca a um estado de insatisfação. Que, conforme bem aponta Mario Sergio Cortella (link externo), nos faz resistir à sedução da mediocridade e à tentação da preguiça de repetir a vida a todo instante.

 Assim, uma vida agradecida não é uma vida repetida. Mas, além de desejada, também reiventada e aperfeiçoada em cada instante ou circunstância.

2.Abençoar

Abençoar, que tem origem no grego eulogeo, remete à ideia de desejar o bem a alguém.  

Significa, assim, benzer, bendizer, tornar feliz e próspero. Na prática da benção, há uma conversão de sentimentos. Por exemplo:  de ressentimento em gratidão. 

Deste modo, abençoar também nos coloca em um estado fundamental de não julgamento. O que não se trata de ignorar ou desqualificar uma dificuldade, mas olhar para ela e para as pessoas envolvidas sem paixão ou afeto: não é boa nem má, apenas um desafio que traz em sim um ensinamento.

Abençoar é trazer luz, abrir a porta da cura. É ir muito além do certo e do errado, do bom e do mau. Abençoar é uma janela para a renovação nossa de cada dia, para que possamos soar na sintonia do bem e do amor.

3. Amar

A ressignificação pelo amor implica em assumi-lo na sua face mais radical, a da misericórdia. Ou seja, ser capaz de olhar para nossas misérias existenciais (e alheias) com o amor que trazemos no coração. 

Nos amar e aceitar profundamente, para amar e aceitar profundamente o outro. Seja este outro as pessoas com que convivemos e/ou toda forma de vida que nos circunda. 

Amar sem condenação ou exclusão. Deixando as mudanças desejadas aconteçam por acréscimo.

O que nos conduz invariavelmente ao gesto entranhável do perdão: fonte de liberdade e leveza para nossas vidas.

Quando nós nos perdoamos e aos outros, o afeto da mágoa ou ressentimento deixa de ter peso em nossas vidas. Somos curados em nossas feridas emocionais, uma vez banharmos nossas experiências e existências com a única energia que constrói e transforma: o amor.

Ressignificar é mais que brincar do jogo do contente

A superação da maldição de Sísifo, deixando-nos de ser reféns do hábito e da rotina sem sentidos, necessita o cultivo da arte de ressignificar  a vida.

E ressignificar é antes de tudo uma questão de escolhas que fazemos no nosso cotidiano. Não em relação às vicissitudes e desassossegos da nossa vida, mas a respeito do modo como percebemos e respondemos aos desafios da nossa jornada existencial.

Dentro da gente mora o ser humano que amaldiçoa o dia, por aquilo que não deu certo, ou o que dá bom dia a angústia. Tudo depende da nossa falta ou abertura para a força espiritual de ressignificar a vida.

Todavia, é bom dizer que ressignificar a vida não é brincar do jogo do contente, negando a dor e o sofrimento, cultivando uma positividade tóxica. Muito menos vivermos à moda hipocondríaca, para quem a dor e o sofrimento são sublimes.

Ressignificar supõe, antes de mais nada, um coração aberto para passar pelas experiências da nossa travessia terrena e aprender com elas. Não importando tanto sua cor ou sabor.

Livre

Leve

voe!

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