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A diferença entre espiritualidade e religião.

Escrito por: LucianoMilitao

No capítulo 7 do  evangelho de Mateus, da bíblia cristã, há um trecho do famoso sermão da montanha proferido por Jesus, no qual ele diz enfaticamente ao povo:

“Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor!  entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai, que está no céu.

Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, nós profetizamos em teu nome? eu teu nome expulsamos demônio? em teu nome fizemos muitas maravilhas?

E então lhes direi abertamente: nunca vos conheci…”

É curiosa e intrigante esta fala de Jesus, uma vez ele deixar a entender que o fato de uma pessoa falar sobre ele, ou ter práticas religiosas, não significa que ela tem uma relação próxima com ele.

Em outros termos, o fato de uma pessoa ser muito religiosa, não quer dizer que seja uma pessoa espiritualizada.

Daí, um questionamento atropela nossos neurônios quase que espontaneamente: mas, então, religião não é o mesmo que espiritualidade?

Se não, qual a diferença?

É sobre isso, que vamos conversar neste artigo. Buscando não somente entender a diferença entre religião e espiritualidade, mas também qual a importância de cultivarmos a nossa dimensão espiritual na vida independente, do caminho que vamos escolher.

Uma experiência ambivalente

A dimensão religiosa é um campo constitutivo da experiência da vida humana

Desde que as primeiras centelhas de consciência brilharam na nossa mente, o ser humano passou a se perceber em função das forças da natureza. Não podendo dominá-las, as vê como superiores a si mesmo, atribuindo a elas uma dimensão que será denominada de divindade ou sagrado.

Como acontece com a gente diante do que tememos, o ser humano tende a manter-se distante do sagrado, porém, ao mesmo tempo é atraído por ele. E nessa relação ambivalente, temos a essência de toda religião.

Todavia, em torno da palavra religião há uma certa disputa entre os estudiosos, por estabelecer seu significado. Em geral, podemos dizer que religião tem haver com:

  • Ler novamente, quando a palavra é relacionada com o sentido de religere (do Latim), aludindo para uma experiência de ressignificação da vida como grande objetivo da prática religiosa;
  • Reconectar, quando a palavra é relacionada com significado de religare  (do Latim), expressando a percepção que o ser humano tem de se sentir separado do divino, muito embora também sente-se fascinado por ele;
  • Reeleger, na perspectiva de Santo Agostinho, para quem, quando os fiéis exercessem sua religião, estão na verdade, reelegendo o divino na sua vida, do qual haviam se separados.

Portanto, para além destas questões etimológicas e semânticas da palavra religião, fica evidente que o seu papel na nossa vida diz respeito, sobretudo, em nos despertar, pela fé, para a experiência relacional com algo maior que nós mesmo, chamado de transcendente ou Deus.

E ela faz isso, nos dizeres de Otto Maduro, através da organização de um conjunto de discursos e práticas rituais,  referentes a seres superiores e anteriores ao nosso ambiente natural e social, com os quais adquirimos uma relação de dependência e obrigação.

Espiritualidade

Assim como a palavra religão, o vocábulo espiritualidade, tomado pelo seu avesso etimológico, também nos aponta para diferentes perspecitivas semânticas, para nossa compreensão do que venha ser esta dimensão importante, constitutiva do nosso ser.

Deste modo, podemos falar que espiritualidade é:

  • Ruah – do hebraico, que na sua acepção literal significa ar, vento ou brisa. Mas, num sentido mais lato, também pode aludir  à força vital que anima os seres vivos, distinguindo-os dos objetos inanimados. Assim, em Gênesis 2:7, por exemplo, Deus sopra ruah nas narinas de Adão, dando-lhe vida;
  • Pneuma – do grego, tem na ideia de respiração e sopro, a sua denotação mais literal. Sendo, também usada, por vezes, para designar a significação de força vital que anima as coisa vivas;
  • Spiritus – do latim, por sua vez, de igual modo as duas palavras anteriores, significa sopro e/ou respiração, no seu aspecto literal, e, força vital, em termos mais abrangentes.

Sendo assim, vale ressaltar que, de algum modo, todas estas três palavras do campo linguísitco da espiritualidade, também são usadas, no contexto da tradição das Sagradas Escrituras cristãs, para se referir ao Espírito Santo, terceira pessoa da Trindade divina do cristianismo. 

E que elas tem em comum o fato de, na sua simbologia, apontarem para aspectos primordiais do nosso ser e viver no mundo, como o ar que respiramos ou a energia vital que nos move.

Portanto, espiritualidade estando ligada a coisas elementares do nosso viver, entendomos que ela tem mais haver com as pequenas extraordinárias ações do nosso cotidiano banal, do que com coisas angelicais.

Não no sentido de nos aprisionar aos limites de nossa rotina e hábitos diários, mas de acolhê-los para ir além deles. Pois, como bem nos lembra o professor Carlos Roberto Drawin, a nossa dimensão espiritual é sempre um apelo à transcendência e um convite à liberdade.

Daí, termos a capacidade, pelo cultivo da espiritualidade, de irmos além das aparências do real, para habitarmos o outro lado das coisas. Então, percebemos no reverso de cada evento e ações, valores e significados que nos comovem e movimenta o existir.

Sinônimas só nas aparências

Pelo que vimos até aqui, religião e espiritualidade, não obstante serem palavras de escritas diversas, no seu campo semântico parecem sinônimas. São conceitos relacionados, mas não misturados, por resguardar diferenças distintas.

Dentre várias, podemos destacar as seguintes diferenças entre elas:

Religião:

  • A religião é uma instituição organizada com rituais, crenças e práticas específicas.
  • Ela geralmente tem uma estrutura hierárquica, líderes religiosos e uma comunidade de seguidores.
  • As religiões frequentemente possuem livros sagrados (como a Bíblia, o Alcorão ou os Vedas) que guiam suas crenças e ensinamentos.
  • O foco da religião está na obediência a regras, dogmas e tradições estabelecidas.

Espiritualidade:

  • A espiritualidade é mais pessoal e subjetiva.
  • Ela se concentra na busca por significado, conexão com o transcendental e experiências internas.
  • A espiritualidade não requer afiliação a uma instituição específica e pode ser encontrada dentro ou fora das religiões organizadas.
  • Envolve autoexploração, meditação, conexão com a natureza e busca por propósito.

Ou seja, a religião é uma estrutura organizada com regras e rituais, enquanto a espiritualidade é uma busca individual por significado e conexão com algo maior.

Livres para voar

Desta forma, a gente consegue entender a provocação de Jesus, presente no início deste artigo, quanto ao fato de sermos um praticante religioso, não necessariamente garante que sejamos uma pessoa espiritualizada.

Pois, a religião, pelo seu caráter institucional e doutrinário, para se sustentar, tende a se preocupar em arrebanhar fiéis, com sua educação catequética e proselitista, para depois aprisioná-los, nos seus cultos e dogmas.

Neste sentido, Rubem Alves, na introdução do seu livro “Religião e Repressão”, com suas metáforas poéticas, vem nos falar que as religiões constroem gaiolas, com suas teologias doutrinárias, para nos aprisionar na sua estrutura.

Mas o espírito, como fala Jesus (em João 3,8), é livre, vento que sopra e a gente não sabe de onde vem e nem para onde vai. Por isso, não pode ser aprisionado por estrutura nenhuma, por mais sedutoras que sejam suas gaiolas.

Assim, se a religião constroi gaiolas para nos aprisionar, a espiritualidade nos dá asas para voar livres nos espaços infinitos do amor.

Livre,

Leve,

Voe!

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